São João de Alporão

Séc. XII – Santarém

Convento da Ordem de Malta, de arquitetura românica e gótica. Os muros robustos, os contrafortes exteriores, as bandas lombardas a nível da cornija, os pórticos em gablete, a decoração zoomórfica e vegetalista de capitéis, inserem-se dentro do formulário românico e restam como o único vestígio significativo da arquitectura românica de Santarém. Por outro lado a verticalidade do edifício, o sistema de cobertura, a gramática decorativa de algumas mísulas e capitéis, inserem-se já no gótico. A igreja manifesta na sua construção duas campanhas essenciais, caracterizando-se a primeira pela edificação da nave única de planta rectangular e volume paralelepipédico, em silharia de calcário, de influência românica, datável do séc. 12; a segunda campanha manifesta-se no interior de linguagem proto-gótica visível na estrutura da cabeceira e no abobadamento primitivo da nave, observável no 3º tramo, antes do arco triunfal. O sistema de descarga da abóbada da ábside sobre os muros internos e a criação de um incipiente deambulatório, fórmula única inexistente no resto da Península Ibérica. Segundo Chicó, a nave primitivamente destinava-se a receber cobertura de madeira e não de abóbada de ogiva; por sua vez Serrão sugere a primitiva existência de uma abóbada de berço que teria possívelmente desabado num dos sismos ocorridos em Santarém no séc. 13. O pórtico saliente, de arquivoltas reentrantes e remate em gablete, no muro N., interrompe um contraforte por não se inserir no eixo do tramo. “A hibridez de elementos técnicos e decorativos, onde coexistem arcos torais e abóbadas de diferentes perfis, transformam São João de Alporão numa escola de experimentação arquitectónica da transição do séc. XII para o XIII”.

Descrição

Planta longitudinal, orientada, composta pela nave e cabeceira poligonal mais baixa, de volume paralelepipédico. Fachada principal em empena triangular, de pano único e 3 registos demarcados por esbarros; no registo inferior abre-se o pórtico, inscrito em gablete que se eleva à altura do 2º registo; é formado por 5 arquivoltas de volta perfeita reentrantes descarregando em colunelos de capitéis vegetalistas; no registo superior grande rosácea de colunelos radiantes. Fachadas laterais de panos demarcados por contrafortes correspondendo aos tramos internos, onde se abrem seis frestas chanfradas quadrangulares, 3 de cada lado; um dos contrafortes da fachada N. encontra-se embebido numa porta lateral, também em gablete, transformada em janela. Cabeceira de planta poligonal, contrafortada, marcada em todo o seu perímetro por um esbarro. Nos panos do polígono abrem-se janelas rectangulares de maiores dimensões, semelhantes às frestas da nave e óculo; remate em modilhões (*1). INTERIOR: nave única de 3 tramos assinalados por pilastras facetadas; cobertura em abóbada de cruzaria com arcos torais de volta perfeita de tripla nervura, rematada por um fecho de folhagem espiralada; acesso à abside por arco triunfal de nervuras, sustentado por 3 colunas, de diferentes diâmetros, uma das quais participa da estrutura do presbitério, com capitéis de composição zoomórfica enquanto que os ladeantes são vegetalistas. A encimar o arco triunfal um óculo polilobado; abside com panos de duplas arcarias, criando-se entre eles um embrionário deambulatório (*2), apoiadas em colunelos e sobrepostas por óculos polilobados, com abóbada polinervada e perfis de nervuras de aresta chanfrada, rematada por pedras de fecho com símbolos da ordem dos Hospitalários. Vestigíos de transepto inscrito.

Cronologia

Séc. 12 – 13 – provável edificação, talvez sobre um templo mais antigo de que parece existirem vestígios; a igreja foi concluída tardiamente; 1207, 01 Março – falecimento de Frei Pedro Afonso de Portugal, filho natural de D. Afonso Henriques, sepultado no templo; 1269 – a igreja encontrava-se interdita pelo Bispo de Lisboa; 1785 – durante a visita de D. Maria I, foi demolida a torre românica, que flanqueava a fachada principal a N., para permitir a passagem do coche que transportava a rainha; 1834 – com a extinção das ordens religiosas, a igreja e o que restava do cenóbio de São João do Hospital passa para a posse do Estado; 1849 – a igreja encontra-se desprezada, servindo como arrecadação e armazém de produtos vários; 21 Junho – cedência da igreja uma sociedade de teatro, pelo Governador civil, Visconde da Fonte Boa; 1876, 16 Fevereiro – o Governador Civil, José Ferreira da Cunha e Sousa, obteve do Governo a concessão provisória do edifício, entregue à Junta Geral do Distrito que aí instala o Museu Distrital; 01 Julho – sai do local o Teatro; instalação do Museu de Santarém; 01 Agosto – última representação no Teatro de São João de Alporão; 02 Agosto – início da demolição do Teatro; 05 Setembro – a Comissão do Teatro de São João de Alporão entrega o seu espólio à Misericórdia; 1880, 01 Março – a Comissão Distrital requer a posse definitiva da Igreja; 1887 -/ 1882 – realização de profundas obras de consolidação e restauro, supervisionadas por uma comissão nomeada pelo Governador Civil, sendo responsável pelas obras o engenheiro João Fagundo; 1889 – abertura do Museu ao público; 1892, 24 Outubro – é entregue o Museu Artístico e Arqueológico à Câmara Municipal; 1893, 14 Janeiro – o Museu é entregue à Comarca; 1914 – 1936 – o director do Museu é Laurentino Veríssimo; 1937 – 1968 – é director do Museu Zeferino Sarmento; 1937 – obras no Museu, dirigidas pelo arquitecto António do Couto; 1941, 17 Janeiro – a Misericórdia devolve alguns objectos do Museu que tinha na sua posse; 1949 – o edifício passa para a posse da Câmara Municipal de Santarém; 1969 – danos causados pelo sismo; 1957, Janeiro – integra o Museu um painel da Assunção de Nossa Senhora, proveniente da Câmara; 1992 – 1994 – a Câmara Municipal de Santarém procede à reforma do Museu, sendo as obras de conservação da responsabilidade da Divisão de Núcleos Históricos; 1994 – a igreja de São João de Alporão passou a ser o primeiro núcleo museológico do Museu Municipal de Santarém e um centro de investigação e desenvolvimento; 2003 – encerramento do museu para obras de recuperação da pedra, no interior do edifício; 2012, 09 março – encerramento do Museu ao público, por questões de segurança; 2019, julho – abertura de concurso público para reabilitação exterior do edifício; 21 outubro – aprovação da adjudicação da obra à empresa Revivis – Reabilitação, Restauro e Construção, Lda.

Nota Histórico-Artistica

A igreja de São João de Alporão constitui um caso único na arquitectura medieval portuguesa. Produto híbrido estilisticamente, aqui coexistem soluções filiadas em esquemas românicos e outras já nitidamente góticas, característica que confere a este templo um estatuto ímpar no panorama arquitectónico de Santarém e até do país, pelo elevado grau de experimentalismo, de “primeiro efeito de descontinuidade na arquitectura escalabitana” e, simultaneamente, de “primária ligação dos dois estilos”.
A sua fundação deve-se à Ordem de São João do Hospital, cuja fixação na cidade situa-se entre 1159 e 1185. No foral de 1179 pode depreender-se já a presença dos Hospitalários no território (BEIRANTE, 1980) mas, até ao momento, a data exacta de estabelecimento permanece desconhecida. A impossibilidade em relacionar a datação da igreja com a fixação dos Hospitalários tem favorecido a dispersão de datas propostas para a construção do templo, apesar de não restarem hoje grandes dúvidas sobre uma concepção inicialmente românica, datável das últimas décadas do século XII.
São vários os indicadores nesse sentido, desde a estrutura maciça da nave – que se filia no grupo de igrejas românicas de nave única do Douro Interior – até à feição, em certa medida, tradicional do portal principal – com as suas arquivoltas em arco de volta perfeita -, passando ainda por outros aspectos, como a inutilidade estrutural dos contrafortes; ou o carácter fortificado de todo o conjunto, a que se adossava uma pesada torre circular, demolida em 1785 para permitir a passagem do coche real de D. Maria I.
Mas se estas características fazem da igreja de São João de Alporão um dos últimos testemunhos românicos do Sul, outros aspectos situam-na declaradamente no Gótico, como a cabeceira – de planta poligonal e com amplas janelas ogivais dispostas verticalmente entre contrafortes -, ou a primitiva cobertura dos três tramos da nave – de abóbada nervurada de cruzaria de ogivas -. A principal obra desta fase gótica é a galeria que se desenvolve para lá da capela-mor até ao limite exterior nascente da cabeceira. Trata-se da “primeira galeria gótica da arquitectura portuguesa”, de função ainda discutida (provavelmente para permitir o acesso à torre românica), mas cuja qualidade não encontra paralelo no nosso país, sendo de admitir que consista em mais um exemplo da influência normanda no eixo Lisboa-Santarém-Coimbra, que se detecta desde a segunda metade do século XII.
Perante esta heterogeneidade de elementos estilísticos, os principais autores que se referem ao templo de Alporão coincidem na existência de duas campanhas construtivas autónomas. Porque o projecto românico não foi concluído ou porque uma primitiva cobertura da nave, em abóbada de berço, desabou, o novo esforço edificador, para lá das evidentes transformações no abobadamento do corpo, optou por levantar uma cabeceira totalmente nova, mais consentânea com o partido estético dos promotores da obra e respectivos construtores, ambos provavelmente de origem francesa. Quanto à nave, ela segue um modelo de transição definido como a “Goticização” de modelos românicos tardios, produto final esse que não chegou até nós, pela acção da campanha gótica.
Depois de extintas as Ordens religiosas, a igreja serviu de teatro, até que em 1877 a Comissão administrativa do Museu Distrital de Santarém iniciou obras de restauro com vista à sua adaptação a Museu. Os trabalhos então efectuados, dirigidos por João Fagundo da Silva, revestiram-se de enorme preocupação pela ancestralidade do monumento, privilegiando mais aspectos de consolidação e menos de recriação. Ainda assim utilizou-se cimento hidráulico na abóbada e transformou-se o portal lateral em janelão.

Textos de: http://www.patrimoniocultural.gov.pt http://www.monumentos.gov.pt

Fotos de outros recolhidas na net:

Vídeo de: poptonesinserralves

Localização: https://goo.gl/maps/zmgciL8AQmHs4JFj7

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